População ribeirinha no Amazonas carece de saneamento básico
Mesmo no entorno de Manaus, comunidades ribeirinhas seguem sem acesso à água potável ou sistema de esgoto, o que tem adoecido a população
Manaus - O acesso à água potável é um direito garantido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela carta magna do Brasil, a Constituição Federal de 1988. O texto é bonito, mas utópico. A realidade é que muitos ainda seguem sem acesso ao saneamento básico, inclusive os ribeirinhos do Amazonas, que, ironicamente, vivem na maior bacia hidrográfica de água doce do mundo.
Em visita às comunidades Livramento e Abelha, na região metropolitana de Manaus, a equipe do EM TEMPO colheu relatos da falta de água e esgoto, e seus efeitos prejudiciais aos moradores. No entanto, o que mais chama atenção é a condição do líquido na forma em que aparece para os ribeirinhos.
A reportagem foi registrada em outubro, quando os rios estavam na época da seca. No porto da comunidade Abelha, era possível ver sacolas plásticas e outros resíduos sólidos que boiavam pela água. A coleta de lixo é outro problema na região. Além disso, por conta da estiagem, o líquido estava com um aspecto terroso.

O acesso à água na comunidade se dá por meio de poços artesianos com profundidade de 20 metros, em média. É o que explica Walmira Gama, vice-presidente da associação de moradores. O problema é que, para alcançar um líquido próprio para consumo, o buraco deveria ter entre 50 e 60 metros, de acordo com uma apuração do site Favela em Pauta junto ao Instituto de Proteção Ambiental da Amazônia (Ipaam).
Como resultado disso, Gama relata ser comum o surgimento de doenças entre os moradores, em especial nas crianças. Isso porque, quem não tem poço (já impróprio), acaba por pedir água dos vizinhos, levando assim o líquido para mais pessoas.

"Tivemos muitos problemas de saúde nas crianças. Diarreia, vômito, febre e até desidratação. Tínhamos de ir para Manaus quando isso acontecia, porque não temos posto de saúde na comunidade. Outra opção era ir à casinha de saúde que funciona na comunidade de Nossa Senhora de Fátima [na região]", explica a vice-presidente dos moradores.
Mesmo em seus 12 anos de existência, sendo considerada uma das mais recentes, a falta de água ou saneamento não foram resolvidos. Para tentar amenizar a situação, Walmira diz que a comunidade recebeu a doação de 57 filtros para as famílias que ali habitam.
"Antes da pandemia nós tivemos a visita do projeto Salvar, com o coordenador Derlan. Ele doou os filtros e pediu desculpa porque não podia ajudar todas as famílias", diz ela.

A mesma situação se repete na comunidade Nossa Senhora do Livramento, também na região metropolitana de Manaus. Por ali, vivem cerca de 600 pessoas, segundo Analina Baré, vice-presidente da associação dos moradores.
Mesmo sendo fundada nos anos 70, Livramento segue sem os sistemas de água ou esgoto, e é abastecida principalmente por poços artesianos, assim como ocorre com boa parte das outras comunidades ribeirinhas do entorno de Manaus.

Saúde prejudicada
A falta de água potável e sistema de esgoto ainda afeta outro direito, o da saúde. Consumir o líquido impuro ou se expor à água contaminada pode gerar uma série de doenças, como Hepatite A, Febre Tifoide, Leptospirose, Cólera, e não para por aí.
De acordo com o Instituto Trata Brasil, em 2018, só no Amazonas, foram registrados 3.782 casos de doenças relacionadas à falta de saneamento no estado. Em toda a região Norte, as enfermidades nessas condições somaram 40.915, com 207 mortes registradas.
Falta de assistência e baixa perspectiva de mudança
Após colher os relatos acima, o EM TEMPO procurou a empresa Águas de Manaus, responsável pelo serviço de saneamento na capital. Por meio da assessoria, a concessionária informou não ser responsável pela Zona Rural.
Em seguida, a reportagem procurou a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman). Após verificação, a assessoria informou que só atua no perímetro urbano de Manaus.

"Nessas localidades [comunidades ribeirinhas do entorno de Manaus] o abastecimento é feito pela própria comunidade por meio de seus poços", informou a agência, demonstrando conhecimento da situação.
Por último, o EM TEMPO procurou a Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), apontada pela Ageman como a responsável pelo atendimento às comunidades ribeirinhas.
"No momento ainda não atuamos nas comunidades ribeirinhas [...] semana passada foi realizada uma reunião estratégica para a implantação e execução do Programa Água Boa a partir do ano que vem. Só fizemos um piloto em uma comunidade no início do ano", informou a assessoria.
Problema afeta toda a região Norte

Embora as comunidades ribeirinhas do entorno de Manaus sofram com a falta de saneamento, elas estão longe de serem as únicas vítimas da inexistência do serviço. Prova disso são os dados do Instituto Trata Brasil, que expõe a porcentagem das pessoas com acesso à água potável nos estados que formam o Norte do Brasil, onde se localiza a maior parte da floresta amazônica, terra dos ribeirinhos.
O Amapá é a unidade federativa mais prejudicada, visto que apenas 1/4 da população tem acesso ao líquido, o que representa 34,9% do seu total de habitantes. Abaixo você confere a lista, do 'melhor' ao pior no acesso à água potável.
Também segundo a sigla, mais da metade (57,1%) dos moradores do Norte do Brasil não possuem acesso à água de qualidade, o pior número entre as regiões do país.
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